AMIGOS(AS)


Não queria deixar terminar este mês de Março, sem fazer aqui, uma homenagem ao Teatro. E para tal, nada melhor (creio eu) que um poema que fiz há algum tempo, a propósito deste tema.


TEATRO

Um palco
Apenas um palco
Onde pelo menos um
(O Actor)
Se desdobra, infinitamente
E nos fala da estória
De todas as estórias
Que nos quer contar...
Um império
Imenso
Contido na dimensão dum pano de boca...
Um imperador
Escravo da sua arte
A vida esparsa
Nas vidas que representa
A alma esparsa
Nos astros flamejantes
Que lhe invadem o ser
Meteoritos de prazer ou dor
Que lhe dilatam ou amarfanham
O coração...
E conta estórias!
Um palco
Apenas um palco
E cabe nele o Mundo inteiro!...


Maria Mamede

RETRATO DE MULHER

Cabelo de espuma, branca espuma;
No rosto, de leite, a madrugada
No corpo febril, a disparada
Correria da vida, antes do meio...
Nos olhos, as ondas, uma a uma
Em vagas de cor não estreada
No rosto, de leite, a madrugada
E a pressa de alcançar o que não veio!..



Maria Mamede

GRITO DE LIBERDADE


Trago em mim tristezas que me não são nada
Caminhos e atalhos que jamais pisei;
Sinto em mim as ânsias de ave aprisionada
E sei de delícias que não inventei...
Sinto fome do azul que não tem limite
E sede de amor, que é sede de mar;
Que chovam trovões! E que o vento grite!
Que de asas cortadas, não posso voar!...



Maria Mamede

EU

Eu sou de todas as partes
Do Nascente ao Ocidente
Já tive todas as artes
Todas as raças e cores
Sou igual, sendo diferente
Aos escravos e aos senhores...
Fui musa de muitos versos
E modelo de pintores
Já vesti corpos diversos
Neste palco
Onde os actores
Sou eu e eu, simplesmente
E já fui de honrada gente
E fui de salteadores...
Já fiz artes esquecidas
Já domei cavalos bravos
E já fiz de mim escravos
A artistas e a doutores,
Mas verdadeiros amores
Só um tive e 'inda o choro...
Que nesta vida ignoro
Onde andará; mas se o vejo
Se a vida me der ensejo
De com meus olhos o tocar
Ah Amor, doce e bravio
No meu peito mar e rio
De doçura e tempestade
Ser-nos-á pequeno o mundo
Poucos os dias que houver
Para a gente se ter
E para a gente se amar!...

Maria Mamede

ENQUANTO


Enquanto a tarde se esvai
Enquanto o sol se esconde
Enquanto a vida se vai
Lá pra onde, não sei onde

Enquanto o dia adormece
Enquanto a fruta amadura
Enquanto a gente se esquece
Do que nos dá amargura

A vida passa voando
E às vezes só a correr
Qual cavalo à rédea solta;

Ó meu amor, diz-me quando
A viverei sem sofrer
Se ela vai e não volta!...


Maria Mamede